Escola de Medicina e Ciências da Vida | PUCPR

Comunidade

Dia Mundial da Alimentação: não deixe ninguém para trás

Por: Profa. Maria Teresa Gomes de Oliveira Ribas

Depois de um longo período tendo enfoque aos alimentos, suas formas de produção e abastecimento, é significativo que o tema do Dia Mundial da Alimentação tenha tomado o rumo de pensar a humanidade e a condição de vida que é sustentada e reproduzida pela alimentação. A possibilidade do Ser. O pedido desse ano de 2022 é: não deixe ninguém para trás.

Tal tema exige trazer compreensão ampliada de que haver pessoas sem condições de acesso físico ou econômico a alimentos é uma violação do direito fundamental de existir. Também não se pode ‘deixar para trás’ os que conseguem consumir, porque a qualidade do que se diz alimento, pelo sistema de produção dominante abre uma tela de riscos.

Imaginava-se, por exemplo, que o acesso à água potável representasse ação concreta para impulsionar a qualidade do viver, do plantar e colher, de ter o que beber em segurança. Mas a água, aquela já tratada, encanada, em conjunto a alimentos in natura e industrializados, também está contaminada por agrotóxicos.

Não é possível deixar para trás o sentido de que o direito humano à alimentação adequada não pode prescindir da exigência de que a comida acessada deva ser adequada em quantidade e qualidade. Uma qualidade remetente à identidade cultural, vinculada à partilha comensal, à memória afetiva, e, especialmente, que não seja gatilho de outras e novas doenças.

Não deixar ninguém para trás possibilita o alerta de que é preciso renunciar a um sistema alimentar destruidor da biodiversidade, concentrador de riqueza, ao mesmo tempo que desemboca em intenso desequilíbrio climático, pandemias sinérgicas. É preciso contar com modelos que levem em conta a possibilidade de não haver renovação de recursos naturais mediante seu esgotamento, a sua extinção.

Não deixar ninguém para trás, assim também, chama atenção para que as práticas mais respeitosas com os biomas são um saber patrimonial, que está no “Ser e Fazer” dos povos originários, das comunidades tradicionais, dos que praticam o cultivo em harmoniosa potência com as forças da Natureza e que fazem brotar da ciência da agroecologia a esperança de resgate da vida, da saúde de todos os seres.

Não deixe ninguém para trás exige dizer em alto som aos agentes políticos que considerem em seus planos estratégicos o fomento às ações solidárias entre os povos da Terra; que rompam com a submissão da comida aos mandos do mercado. Que não negligenciem a escuta das demandas aumentadas da vulnerabilidade humana, sobrevivente em múltiplas crises e guerras.

E que não desafiem o esforço das lutas e conquistas de direitos sociais com mãos egóicas implacáveis, assinando permissões em favor da produção da fome, do desalento e de sua marca indelével contrária à vida.

No Paraná, em cenário atual, a Insegurança Alimentar Grave atinge 8,6% da população, e quase a metade pertence a domicílios com renda mensal per capita de até ½ salário-mínimo. Não sejam deixadas para trás nenhuma das 997 mil pessoas que aqui convivem com a fome.

O resgate do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional como política pública estratégica e estruturante, permanente, de Estado e sem desmontes é o chamado para alcançar o direito fundamental, de todos, todos os dias: de que a fome, ultrajante, essa sim, seja “deixada para trás”, para essa e para gerações futuras.


Fontes:

https://www.fao.org/world-food-day/about/es
VALENTE, F.L.S. Fome e desnutrição: determinantes sociais. Campina Grande: EDUEPB, 2021, 152 p.
https://www.deolhonaagua.org.br/atlas-geografico-do-uso-de-agrotoxicos-no-brasil-econexoes-com-a-uniao-europeia/
BOMBARDI, Larissa Mies. Geografia do uso de Agrotóxicos no Brasil e conexões com a
União Europeia. São Paulo : FFLCH – USP, 2017
PESTIZIDATLAS Daten und Fakten zu Giften in der Landwirtschaft.
https://www.boell.de/sites/default/files/2022-01/Pestizidatlas2022_Web_20220108.pdf
A sindemia global da obesidade, desnutrição e mudanças climáticas — relatório da
Comissão The Lancet, jan. 2019 https://alimentandopoliticas.org.br/wpcontent/uploads/2019/08/idec-the_lancet-sumario_executivo-baixa.pdf
CAMPELLO, Tereza; BORTOLETTO, Ana Paula (org.) Da fome à fome. Diálogos com Josué
de Castro. São Paulo : Elefante, 2022.
REDE PENSSAN. II VIGISAN Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto
da Pandemia da Covid-19 no Brasil. Suplemento I Insegurança Alimentar nos estados. Rede
PENSSAN, 2022.