Podemos explicar: isso faz parte de uma experiência de realidade aumentada com fins educativos para estudantes de Agronomia da PUCPR
No início dos anos 90, quando o filme “Querida, encolhi as crianças” trouxe uma brincadeira de escala com o tamanho de seres humanos, tudo isso parecia muito distante de uma realidade imaginável. Exceto na mente criativa dos roteiristas, talvez. O roteiro trazia como elemento surpresa o encolhimento de quatro adolescentes que eram reduzidos ao tamanho de insetos, em decorrência de um experimento acidental do pai de dois deles. O que, sem dúvida alguma, levaria a inúmeras confusões.
Pouco tempo depois, o cientista atrapalhado ganhava vida novamente nas telas dos cinemas. Mas desta vez, causando o experimento inverso. Em “Querida, estiquei o bebê”, filme que deu continuidade à primeira história, uma enorme carga elétrica faz com que o filho mais novo do personagem principal não pare de crescer, tornando-se um gigante. Assim, mais um acidente inusitado servia de mote para uma comédia repleta de efeitos especiais.
Se, por um lado, a ideia de mudar o tamanho de pessoas no mundo físico siga parecendo um tanto quanto distante, no mundo virtual isso já pode acontecer. E aqui neste texto não vamos falar de efeitos cinematográficos para levar o telespectador a uma viagem ficcional. Mas, sim, de tecnologia de ponta aplicada à educação e à resolução de demandas reais. Mais especificamente, de técnicas de realidade estendida para auxiliar os estudantes da graduação em Agronomia da PUCPR na visualização e na assimilação da anatomia de insetos.
Em primeiro lugar, por que estudar insetos?
Em resumo, a entomologia é o segmento da biologia dedicado ao estudo dos insetos. Bem como de suas relações com o ser humano, com a flora, a fauna e o meio ambiente como um todo.
A saber, esse conteúdo faz parte de uma disciplina chamada “Manejo dos insetos”. A matéria tem por objetivo apresentar a cadeia de insetos que são benéficos, os que são considerados pragas para as plantações e aqueles que podem ser utilizados para a produção, como por exemplo o bicho-da-seda e a abelha. E, consequentemente, como lidar com cada um deles.
“Dentro da agronomia, a área de entomologia é uma das principais. Porque ela trata todo o manejo de pragas e de inimigos naturais. Visando, inclusive, o uso mais racional de agrotóxicos”, explica o professor Airton Rodrigues Pinto Junior, doutor em entomologia e professor do curso de Graduação em Agronomia da PUCPR.
Vantagens de aprender com insetos gigantes
Apesar de sua importância, o inseto é um objeto muito difícil de se trabalhar. É pequeno e, ainda, há as limitações dos instrumentos ópticos. “Então imagine você, um ser humano, e na sua frente um ser pequenininho assim. Mostrar língua, céu da boca, todo o funcionamento. E, por mais que alguns estudantes tenham uma certa facilidade, em geral há uma dificuldade imensa de visualizar tudo isso”, relata o professor.
Ao comentar sobre as vantagens proporcionadas pelas experiências em realidade mista, Cinthia Spricigo – docente que atua no Centro de Ensino e Aprendizagem da PUCPR (CrEAre) e que integra a equipe responsável pelo desenvolvimento do Centro de Realidade Estendida – destaca a fidelidade da imagem. “No caso da entomologia, o ganho é que você consegue sair de um inseto minúsculo, que teria que olhar numa lupa, para um inseto enorme, que pode chegar a meio metro na sua frente. Que você manipula e vê os menores detalhes com grande fidelidade. Numa experiência que pode ser, muito facilmente, compartilhada com o professor ou com outro colega. Que não depende de um microscópio”, analisa.
Além disso, desse ganho em escala trazido pelo ambiente imersivo, Airton Junior considera que o estudante deixa de ser um agente observador e passa a ser um agente muito mais ativo no seu próprio processo. “Porque ele consegue pegar e pinçar com os dedos, ampliar esse bicho, girar em 3D no espaço… Por meio do material que foi produzido, eu consigo gerar uma experiência de aprendizagem. Passar por uma experiência é transformador. Aprender uma coisa você aprende, mas vivenciar uma experiência é diferente”. Uma experiência com grande potencial de gerar memória e conhecimentos mais duradouros.
“A gente fez algumas demonstrações para alguns estudantes que já haviam passado pela disciplina e 100% deles perguntaram se dava para assistir às aulas de novo”, conta o professor, que também já atuou como coordenador do curso de Agronomia da PUCPR.
Foco na aula
De acordo com Airton, outro ponto que merece destaque está relacionado à atenção plena dedicada pelo estudante para a experiência imersiva. “Ele não tem escapatória, ele está com o óculos em 3D, olhando uma estrutura na frente dele, e fica mais difícil se distrair. Porque ele está ali imerso. Totalmente entregue ao processo, a essa experiência”, observa.
“A gente consegue acessar áreas do cérebro diferentes de uma aula expositiva e dialogada só. Eu lembro quando fui na primeira demonstração do modelo, como se tivesse feito agora pouco”, recorda Airton.
Conhecimento para decisões conscientes
E o que saber identificar a mordida de um inseto tem a ver com a qualidade do alimento que chega em sua mesa? Para responder a essa questão, em seguida vamos aproveitar uma analogia proposta pelo professor Airton Junior.
Você está tomando antibiótico hoje? Se sim, você tem uma receita, certo? Afinal, ninguém toma antibiótico preventivamente, antes mesmo de ter alguma enfermidade que torne aquela substância necessária. Ou, pelo menos, não deveria. Assim também deveria ser com o uso de agrotóxicos. Embora exista uma prática comum que implique na aplicação de um mesmo pacote regular de substâncias em várias áreas diferentes, vale analisar as características de cada local, a população de seres que estão presentes naquele ambiente e a real demanda.
“Eu preciso, muitas vezes, mostrar um detalhamento do aparelho bucal do inseto porque isso vai resultar em uma possibilidade de diagnóstico lá no campo. O inseto que come folha, o inseto que fura planta, o inseto que se alimenta de outro inseto… Então, esse reconhecimento, que vai ser a partir do aparelho bucal e das estruturas externas, vai possibilitar ao estudante correlacionar o dano de campo. Ele vai fazer um diagnóstico mais preciso, com o que ele aprendeu ali com a experiência”, explica o professor. E, por consequência, esse profissional poderá tomar decisões conscientes sobre as ferramentas a empregar em cada situação.
“Se eu ensino a você que nem todos os insetos são nossos inimigos, e se eu tenho uma quantidade grande desses bichos lá, então reconhecer esses insetos é uma coisa importante. Eu tenho muitos inimigos naturais, obviamente eu não tenho necessidade de seguir um pacote apenas”, afirma o especialista em entomologia. Além disso, o professor ressalta que o agrotóxico, por si só, não é bom nem mau. O que faz diferença é o mau uso dessa ferramenta. Principalmente se levarmos em consideração que o Brasil é responsável, atualmente, por aproximadamente 25% de todo alimento produzido no mundo.
“A gente consegue inserir essas discussões na medida em que o estudante está vivenciando essa experiência. Lá na frente, quando for exercer a profissão, ele vai usar a ética e a responsabilidade como componentes que também desenvolveu dentro das disciplinas envolvidas”, comenta o professor.
Passo a passo da inovação
As tentativas de aproveitar recursos tecnológicos para facilitar a compreensão da entomologia não vêm de hoje. Airton recorda que, há uns quatro ou cinco anos, junto a alguns colegas de laboratório, veio a ideia de criar um álbum digital de fotografias, com o detalhamento de cada inseto. Logo perceberam que seria um trabalho que exigiria um equipamento robusto e centenas de imagens, para chegar perto do resultado desejado. Durante as próprias aulas práticas, o experiente professor também ensinava os estudantes a fazerem seus próprios registros com o celular, mas ele sabia que era possível ir além.
Depois da pandemia, tudo tomou uma dimensão totalmente diferente. Finalmente, o projeto de entomologia foi um dos contemplados para o início dos testes no novo Centro de Realidade Estendida da PUCPR, que será inaugurado em junho de 2023, no Câmpus Curitiba.
Inicialmente, a experiência imersiva desenvolvida permitirá aos estudantes verem besouros, gafanhotos e borboletas como nunca antes. “Esses são os insetos principais e, nessa ordem, que a gente tem em maior quantidade. E eram, nesse primeiro momento, os mais fáceis de fazermos a digitalização com diferentes ângulos. Pensa que cada voltinha do que a gente vê ali veio de uma foto”, descreve Airton, sobre o minucioso processo técnico de desenvolvimento da atividade. Por fim, o que o estudante vê é resultado desses registros, com o aspecto do inseto real e mais recursos disponibilizados pelos óculos de realidade mista.
Prestes a completar 22 anos de docência na PUCPR, Airton continua com aquele brilho no olho característico de quem sabe que tem em mãos algo muito especial. E agradece a todos os professores e demais profissionais que contribuíram para tornar isso possível. E, por ele, não para por aí. As ideias de próximos passos para aplicação dessa tecnologia já estão pipocando, cheias de possibilidades.