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Reflexões

Uma realidade dramática: Big Brother e o Brasil em 2023

Uma semana após a final do Big Brother Brasil (BBB 23), diversas pautas sociais levantadas pelo reality show como racismo, intolerância religiosa, de gênero, relacionamentos tóxicos, etc. ainda parecem estar no ar. Para compreender mais sobre essas pautas e como refletem no nosso cotidiano, convidamos o professor do Curso de Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais da PUCPR, Cauê Krüger para explanar mais sobre o seu conhecimento diante disso.

“Se ainda estivesse vivo, Raymond Williams estaria certamente discutindo os atuais reality shows. No ano de 1970, o sociólogo galês, professor de literatura e figura central no movimento dos Estudos Culturais, sinalizava que os dramas haviam deixado os limites e a periodicidade dos palcos para tornarem-se, com a televisão, habituais e majoritários.

A ‘sociedade dramatizada’ daquele período assistia regularmente a mais de três horas de dramas televisivos (mais do que o tempo gasto para a alimentação e quase metade da jornada de trabalho ou de repouso). Isso seria fantasia inútil? Futilidade? Mera distração? Ou, pelo contrário, necessidade básica de representações, de imagens, de significados e atualizações? Reflexo da novidade do mundo fora das mídias? Fonte indispensável de status e poder? Tema comum de conversas e de sociabilidade casuais?

Além de lançar perguntas como essas, Williams indicou a continuidade entre os cômodos fechados dos cenários naturalistas no teatro e as telas de televisão. Era nos quartos ou em salas de estar burguesas, retratados no palco, que o público do teatro assistia uma ‘fatia da vida’, em que [aqui não tem vírgula] alguma ação surpreendente aconteceria, diálogos ferozes ocorreriam e os personagens revelariam assim sua ‘verdadeira’ natureza.

Esses mesmos quartos e salas de estar abrigam agora, não atores, mas sim brothers e sisters (alguns camarotes e outros pipocas) que são cuidadosamente escolhidos na expectativa de se tornarem ídolos da população brasileira (como foi o caso da Juliette, no Big Brother Brasil 21). Ao invés de cativar o público pela técnica da criação de personagens, trata-se agora de ser capaz de converter a maior quantidade do público em fãs.

A principal preocupação também mudou: a comoção causada pelo enredo, medida pela energia dos aplausos ao final das apresentações, deu lugar ao ranking instantâneo de audiência e às métricas de imagens ‘viralizadas’, comentários e discussões, multiplicados pelos mais variados canais e aplicativos. O prêmio mais esperado certamente não é mais aquele artigo escrito por um crítico especialista que saia no jornal, mas alguns milhões recebidos pela vitória no ‘game’, convites para eventos e inserções midiáticas, além da quantidade de seguidores nas redes sociais.  

Apesar das diferenças o elemento em comum (a própria natureza do drama) é que algo acontece diante de todos e é esse sentido que deve ser decifrado, negociado e avaliado pela audiência. Chegamos, enfim, à mais evidente diferença do drama ‘ficcional’ para o reality show: se a construção da trama era tarefa exclusiva e prévia do dramaturgo, a ‘fabricação do sentido’ do Big Brother Brasil vai sendo feita ao longo do programa, visando sempre a máxima audiência. E isso tem implicações. Como na vida “real”, as relações, os acontecimentos e a convivência são assuntos complexos, difíceis e nem sempre consensuais.

Apesar do empenho de cada um dos participantes de aparentarem a melhor versão possível de si mesmos, a natureza do reality show objetiva gerar intrigas e afetos. Assim, temas efervescentes e conflitos sempre virão à tona. Egoísmo, soberba, preconceito de classe, raça, religião, gênero e múltiplas variantes da intolerância contemporânea apareceram (foram na verdade os assuntos centrais) na edição 2023 do Big Brother Brasil. Afinal, se os personagens do drama são necessariamente produto de seu meio sociocultural e histórico, por que não seriam os brothers e sisters dessa edição, talvez a mais socialmente diversa até aqui?

Seria mesmo possível não ver, no convívio forçado desse cômodo-vitrine, atiçado por jogos de intrigas e situações extremas, flagrantes recorrentes de nossa sociedade? E como não perceber as mais evidentes tentativas do programa de abafar tais conflitos, tratando-os como características e respostas unicamente pessoais? Ficcional, no reality show, não parece ser nem o debate entre os participantes, nem aquele travado pelo público, mas o discurso de fundo. Tanto aquele de escala ampla, que tenta uma vez mais afirmar um país democrático, multicultural e tolerante, quanto aquele de escala individual, que afirma a solidariedade, o apoio mútuo e a resiliência como chaves para a vitória e para a consagração do vencedor.

Afinal, como sabe qualquer espectador, de teatro ou de televisão, tudo o que está em cena comunica. Assim, mais do que permitir a identificação com esse ou aquele participante, o maior interesse do programa é propiciar a reflexão sobre o significado dos acontecimentos, sobre a regra do jogo e sobre seu desfecho. Concluo parodiando nosso embaixador mundial do teatro, o diretor Augusto Boal: se o drama não for transformador por si mesmo, ele é um excelente ensaio da transformação.”

O professor Cauê trouxe diversas reflexões de como a mídia tem influência no nosso dia-a-dia. Caso tenha assistido à edição que tornou a Amanda Meirelles milionária, deixe aqui nos comentários o que achou das pautas apresentadas pelo professor.  

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