Uma reflexão sobre os desafios da liberdade religiosa em um estado laico
A intolerância religiosa, prática que desrespeita crenças, rituais e manifestações de fé, tem raízes profundas na história da humanidade. Mesmo em um Brasil que se declara estado laico e garante a liberdade de culto na Constituição Federal, ainda enfrentamos o desafio de promover uma convivência pacífica entre diferentes crenças. Este texto aborda como o Direito brasileiro responde a esse problema, enquanto reflete sobre os caminhos para fortalecer o respeito à diversidade religiosa.
O que é intolerância religiosa?
A intolerância religiosa é caracterizada por atitudes preconceituosas e hostis contra práticas ou crenças religiosas. Ela pode se manifestar de forma sutil, como microagressões no ambiente social, ou por meio de atos extremos, incluindo crimes de ódio.
Além disso, também pode se manifestar em formas de segregação, silenciamento ou estigmatização, em que a sociedade ou grupos específicos excluem, marginalizam ou negam o direito de expressão religiosa de determinadas pessoas ou comunidades. Essa realidade preocupa especialmente no Brasil, um país plural, em que a diversidade de fé é parte essencial da identidade cultural.
Apesar de avanços legislativos, como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, instituído pela Lei nº 11.635/2007, o problema persiste. A violência direcionada principalmente a religiões de matriz africana é um reflexo do preconceito enraizado, como apontado pelo Ministério Público do Paraná.
O aumento de processos judiciais
De acordo com um levantamento conduzido pelo JusRacial, em 2023, o Brasil observou um aumento expressivo no número de processos judiciais relacionados a racismo e intolerância religiosa. Em comparação com 2009, quando foram registrados apenas 1 mil processos, em 2023 esse número subiu para cerca de 176 mil, o que representa um aumento impressionante de 17.000% nos casos relacionados ao tema.
Esses dados reforçam a urgência de uma resposta efetiva do sistema jurídico para lidar com a intolerância religiosa no país, que continua a ser um desafio para a convivência pacífica entre as diversas religiões.
O papel do Direito no combate à intolerância
O ordenamento jurídico brasileiro estabelece medidas contundentes para proteger a liberdade religiosa. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, garante a inviolabilidade da consciência e crença, o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto. Complementando essa garantia, o Código Penal Brasileiro, no artigo 208, criminaliza o vilipêndio a práticas religiosas, com penas que podem incluir detenção e multa.
Mais recentemente, a Lei nº 14.532/2023 endureceu a punição para injúrias religiosas, sinalizando um esforço contínuo para combater o preconceito. Além disso, o Estatuto da Igualdade Racial reforça a proteção às religiões de matriz africana, que frequentemente são alvo de discriminação.
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Reflexões e perspectivas
A fé, como ressaltado por Bortolo Valle no podcast “Coffee Break: Ainda é possível ter fé?” é algo que construímos diariamente. É um ato que transcende as práticas religiosas e se conecta com nossa humanidade. Contudo, a intolerância religiosa expõe uma lacuna em nossa capacidade de respeitar essa dimensão da vida alheia.
Eva Barbosa, doutoranda em Teologia pela PUCPR, nos lembra que a fé muitas vezes se manifesta como espiritualidade, uma forma de viver. Talvez esse seja o ponto de partida para construir pontes entre crenças diferentes: reconhecer a espiritualidade como algo universal.
Para aprofundar essa reflexão, recomendamos assistir ao episódio do podcast Coffee Break: Ainda é possível ter fé?
Promover a tolerância religiosa exige um esforço coletivo. Cabe ao Direito garantir a proteção, mas a transformação real virá de uma sociedade que valorize a diversidade como força, e não como ameaça.